A todo momento estão falando do direito dos alunos que prestaram o enem verem ou não as suas redações corrigidas e eu não entendo porque toda essa novela...
Primeiro porque ela não valia grande coisa ou nada para vestibulares como USP, Unicamp e Unesp que têm suas próprias redações e critérios. Agora vale alguma coisa em algum vestibular que não quer ter trabalho de aplicar redação para não ter trabalho e gastar dinheiro em correção?
Segundo, se a correção das redações continua do mesmo jeito que do último ano que trabalhei nisso, então, é claro que querem esconder porque muito pode ser argumentado contra a forma que se é corrigida.
Repito, se ela é corrigida do modo que começou a ser feita a partir de 2006.
Bem, como não sou mais da banca e a atual banca não é a mesma de quando trabalhava, acho que posso contar como era.
Quando corrigia a banca era toda em São Paulo, na capital, o professor que era o coordenador geral, era da USP e para você participar da banca, que compreendia por volta de uns mil corretores, você passava por uma entrevista com ele e deixava seu currículum. O mais importante para ele é ter uma boa formação na área de Letras, ser formado e fazer pós, mestrado, doutorado e, de preferência ser professor que trabalha na área.
Comecei a trabalhar na correção a parti de 2002 e fiquei até 2006, ano da primeira mudança na banca e nas correções.
Conheci pessoas que estavam na banca desde o primeiro Enem, mas isso não quer dizer muita coisa porque, como eram poucos no comecinho, eram todos indicados, em maioria. O Enem no princípio não valia nada para quem era de escola pública, não dava pontos pra FUVEST e a inscrição era cara.
Só com a pontuação valendo pra fuvest e a inscrição gratuita é que precisaram de um batalhão de corretores, a partir de 2001, por causa da quantidade de inscritos a partir daí. E esse número de corretores só aumentou porque precisávamos entregar as todas as redações corrigidas em um mês.
Cada professor tinha 100 redações para corrigir em quatro horas.
A empresa que ganhava a licitação para corrigir o Enem alugava prédios ou partes deles para que estivéssemos corrigindo todos num mesmo lugar.
Vinham professores de outros estados e passavam o mês em Sampa na correção.
Não porque o salário fosse bom, o salário só era vantajoso para que muitos tirassem até licença do trabalho para corrigir porque se ganhava muito em pouco tempo.
Ou seja, você trabalha muito em um mês e ganhava por isso, pra muita gente parecia que se estava ganhando muito, mas é ilusão se você pensar que corrigia em um mês por volta de 2.400 redações. O que você viesse a ganhar era por ter trabalhado muito em pouco tempo, nada demais para o esforço físico e mental.
Se corrigir de segunda a sábado e muitas pessoas faziam dois turnos - principalmente quem vinha de outras cidades e estados e ia ficar em Sampa.
Havia 3 turnos: manhã, tarde e noite - o noturno só funcionava de segunda a sexta, mas se o número de redações era imenso, era perguntando se o pessoal do noturno poderia vir nos sábados de manhã e/ou a tarde para corrigir. O que muita gente fazia.
Eu mesma cheguei a trabalhar até 8 da noite de sábado dado o número imenso de redações que ainda faltavam ser corrigidas e o prazo se esgotando - nesse caso, perguntavam quem poderia fazer mais duas horas (ou seja, mais 50 redações) etc. Além de fazer os 3 turnos num dia.
Isso só mostra que a empresa contratada não passava um número exato de quantas redações seriam corrigidas o que inviabilizava um cronograma correto para as correções e também um número exato que se precisaria de professores para esse trabalho.
Quando achávamos que estávamos acabando, víamos chegar mais caminhões com pacotes e pacotes de redações.
A correção em São Paulo tentava ser a mais correta possível. Para cada grupo de por volta de 14 corretores, tínhamos um supervisor, acima deles havia uma banca de coordenadores e mais o coordenador geral que estava sempre presente.
Os supervisores passavam por um treinamento de 2 dias antes dos corretores, para que pudessem fazer nosso treinamento de forma uniforme depois, outros dois dias.
Os treinamentos tentavam fazer com que o grupo estivesse uniforme na forma de corrigir, para não haver discrepâncias em nota.
Havia uma amostragem de redações daquele ano que era corrigidas por todas as turmas em treinamento. Nas discrepâncias de nota e professores que não concordavam com alguns critérios era preiciso rever todos os conceitos e chegar num acordo, enquanto o grupo não parecia "entender" as regras, não estava preparado.
O que quero dizer sobre entender as regras é porque cada processo avaliatório tem suas próprias regras, com corretores de cursinhos, vestibulares etc etc na banca, cada um já tinha um parâmetro de correção, que não era exatamente do Enem.
Imagine: um corretor da Fuvest tem em mente muito mais os erros que podem eliminar um candidato à vaga, diferente do Enem que não elimina ninguém, mas está aí para te mostrar onde você está errando ou acertando.
Além de algumas redações polêmicas ou problemáticas que já eram encontradas no treinamento e o que fazer com elas, na maior parte das vezes, iam diretamente para o supervisor que se ainda assim tinha dúvidas, ia pra coordenação e, se ainda o caso não fosse resolvido, coordenação geral dava o veredicto final.
Isso também acontecia muito com caligrafia... corrigi uma que ninguém no prédio todo conseguiu ler.
Durante a correção, num ano que o tema foi a mídia, um dos "textos-estímulo" falava sobre televisão e, acredito, 80% das redações falavam de televisão e não de poderes da midia de modo geral.
Como era uma massa falando erroneamente sobre o tema e seria injusto dar zero ou um de tema para todo mundo, o Enem aprendeu com isso: a deixar mais claro o tema para que o aluno não se perca, mas as notas cairam, mas sem zerar ninguém.
Se fosse um vestibular, claro que esses alunos já estariam desclassificados, mas o Enem não surgiu, que eu saiba, com essa intenção.
Corrigi nesse ritmo até em 2005 com uma nova empresa ganhadora para a correção mudar para 120 redações em 4 horas, o que fez com que bons profissionais saíssem da correção por achar isso demais.
Realmente 100 redações não é fácil serem corrigidas em 4 horas, claro que parávamos quando queríamos para descansar a cabeça. Sempre havia uma lanchonete no prédio pra dar conta de tanta gente querendo um cafézinho etc.
Antes dessa mudança e por conta dessa "paradinha" das pessoas, problemas surgiram. Vocês sabem como é o ser humano, né? Ainda mais brasileiro com aqueles velhos lemas que impregnam a nação: levar vantagem, dar um jeitinho...
E, esses "espertos" pensando que ninguém estava reparando que passavam mais tempo batendo papo na lanchonete (soube que no turno da noite alguns passavam mais tempo vendo novela do que corrigindo) e, suas redações foram verificadas e alcunhamos de "espresso 2222".
Explico, o critério de notas era de 1 a 4 em cada quesito, 2 parece um número que não prejudica ninguém e essas pessoas, voltavam da sua novela e lascavam o espresso pra terminar de corrigir.
Elas foram descobertas e banidas da correção, daí também termos nesse ano, acho que de 2003, problemas no término da correção: as correções de umas 10 pessoas foram revistas. E demoramos mais e fizemos esses horários extras de correção. Imagine, algumas pessoas eram doutorandos da Unicamp!
Mas calma! As redações passam por 2 correções. Isso quer dizer que duas pessoas diferentes dá notas, na folha da prova de redação há umas bolinhas de 1 a 4 e três vezes a mesma sequência, quem fez a prova já viu?
Cada sequência é para cada correção.
Então, todo mundo corrigia e se marcava quem havia corrigido determinado pacote e esse pacote ia pra mão de outro corretor que corrigia novamente - cada tarja de correção era retirada, o segundo corretor não sabia qual foi a nota que o primeiro atribuiu. E se as notas ficassem parecidas, ok! Senão, a redação passava pela terceira correção.
Imagine que um corretor entrou no espresso 2222 e na segunda correção o texto era 4444, terceira correção na certa!
E claro, casos mais difíceis passam por lá.
Em 2005 fui chamada para a terceira correção, corretores mais afinados, segundo eles, eram escolhidos para essa fase.
E realmente, lembro que as redações que peguei eram pedreiras! Davam margem a toda hora você ter que chamar seu supervisor rs
Mas apesar dos problemas, tentávasse manter o nivel da correção sempre. O coordenador era muito presente e tudo andava às claras.
Em 2006 quando a licitante continuou a mesma que queria 120 em quatro horas, foi estabelecido a correção via internet.
Eu fui uma das poucas pessoas que ficaram na correção, a grande maioria de minhas amigas não foram chamadas e eu atribuía ter ficado por ter participado da terceira correção no último ano, porque todo o grupo de anos, foi praticamente dizimado.
O professor coordenador da USP ficou apenas como consultor da correção para o MEC, ele não concordava com o tipo de correção que começava a ser estabelecido: cada um no seu estado e em casa, sem saber quem é quem. E preferiu não ser mais coordenador geral.
Percebi que ele tinha muita razão nisso. Quando fui ao treinamento, juntaram todas as pessoas que iriam corrigir só são paulo e encheram uma sala enorme de paletras de uma universidade particular daqui. O pessoal que coordenava veio de Brasília e passava por datashow as informações sobre como seria nosso trabalho, os supervisores, naquele ano, tinham passado por treinamento em Brasília para conhecer o software da correção, não fizemos nenhuma correção dos textos daquele ano no treinamento, só vimos tudo por datashow.
Então, todo mundo tinha 120 redações para se corrigir no dia e em casa. Acessando o tal programa com senha e tendo que entregar via programa para o supervisor que depois dava feedback, via email sobre as correções.
Muitas redações eram mal escaneadas e você não conseguia ler pra corrigir. Mandavam de volta e o programa me mandava a mesma redação novamente. Até que avisei a supervisora e ela me disse que eu teria que corrigir do mesmo jeito, daí mandava para ela e falava: como?
E realmente ela ficava do meu lado, algumas vezes era a letra do aluno em uma redação escrita a lápis e escaneada, era um terror! Quando não o escanemento tinha dado problema e a redação estava pela metade.
Ela chegou a conversar e mandar as redações de volta, e ainda assim, algumas voltaram daquele mesmo jeito e me cobravam por não ter corrigido a "minha meta do dia".
Quando fiz o tal treinamento meia boca com o mínimo de pessoas da correção, percebi que as pessas que haviam ficado eram exatamente algumas que eu sabia que tinham algum motivo para estarem ali (como donas de um cursinho importante no Vale do Paraíba) e senhorinhas que já não conseguiam mais corrigir no papel e não sabiam usar um computador. Uma delas até falou: vou pedir pro meu neto me ajudar.
Imaginem como fiquei indignada com isso: se não pode, deixa o trabalho pra quem pode! Afinal, vocês já entenderam onde eu quero chegar sobre quem corrigiu aquelas redações da tia, né?
Enquanto amigas minhas que trabalhavam muito bem não foram chamadas. Eu, até hoje, acho que fui chamada por engano, alguém confundiu meu nome com de alguém que queriam chamar.
No ano seguinte, 2007 não fui chamada, mas conversei com minha supervisora sobre uma vaga, naquele ano não se corrigia em casa, mas alugaram um espaço em uma universidade particular para corrigirem em computadores e todos num mesmo local. Parece que tinham até vaga, mas não para o horário que eu poderia corrigir.
Ainda em 2006, com essa mudança de cada um corrigir por estado, conheci uma senhora de um estado do Nordeste, ela estava, como eu, passeando em Manaus e no meio da conversa descobrimos que corrigiámos Enem. E ela me disse que era formada em Letras, mas não dava aulas, trabalhava na Secretaria da Educação de lá e ela e outras amigas da Secretaria da Educação é quem corrigiram as redações do Enem do Estado.
Com tudo isso o que quero dizer? Você acham mesmo que querem que a correção da prova de redação seja vista? Se o seu estado coloca seus funcionários da parte administrativa para corrigir redações do Enem quem é o maior interessado nas notas? Eu ou o governador dali que quer mostrar bons resultados?
Vocês podem dizer que sou bairrista, mas nós, em São Paulo, só sabíamos de onde era uma redação quando o próprio aluno dizia no corpo do texto, de outra forma não sabíamos e ninguém poderia puxar o peixe pro seu lado...
Agora, não querem em São Paulo, façam em Brasília (apesar de que... né? preciso terminar?) e juntem todo mundo sem saber de qual lugar corrigem!
Bem, acho que era só isso que tinha pra falar sobre a redação do Enem...