Janeiro trouxeram duas surpresas pra mim, uma triste com a morte de David Bowie e uma surpresa perplexa pela leitura de Matadouro número 5 de Kurt Vonnegut.
Não sou a maior fã de Bowie, nem a maior conhecedora - conheci fãs ardorosos deste senhor e aprendi com esses e, mesmo que ele dissesse que não, com o filme Velvet Goldmine. Não aprendi que ele gostava de meninos e meninas, descobri como era a sociedade da época e o impacto que ele causou, a partir daí comecei a admirar Bowie, não era mais só o rei dos elfos de Labirinto, era um cara muito além de seu tempo e que poderia estar onde quisesse, tocar o que quisesse, ele tinha um brilho próprio pra isso e fazia tudo com maestria, inclusive cinema.
Estive em Brixton várias vezes (porque morava perto e gostava do mercado de lá) e não achei até agora a foto de uma loja de departamentos que tinha uma homenagem pra ele... vou achar a foto e postar, prometo!
Brixton é um bairro bem peculiar que uns ainda acreditam muito subúrbio - no que tem de pior de chamar um lugar de subúrbio: a segregação. Ouvi de uma brasileira a frase: "mas lá é bairro de negros!" como se fosse um lugar diferente dos outros... lembrei da música do Clash (Guns of Brixton) e na verdade achei um bairro de todo mundo. Não tão longe do centro, com um local de shows memorável, uma parte comercial muito legal com uma espécie de mercadão, Brixton Market, com comida de todo lugar, inclusive brasileira. E os brasileiros lá ainda pensam que Margareth Thatcher ainda manda no país... pararam no tempo.
Brixton é muito legal! Como disse tem o comércio, tem a música, tem o metrô, tem o parque, tem vida, vida múltipla como a de Bowie que não poderia ter nascido em melhor lugar para saber que romper com os grilhões dos coxinhas do seu tempo era fazer um bem não só aos negros de Brixton, mas a todas as pessoas do mundo que o ouviram e se sentiram reis e rainhas por um dia.
O que isso tem a ver com a leitura de Vonnegut?
Seu livro fala de um personagem que não tem nada de Bowie, de uma guerra que Bowie mal percebeu acontecer porque era bebê, mas um cara que lê ficção científica e acredita que não morremos, estamos vivos em algum lugar no tempo.
Bowie também ficará vivo no lugar no tempo em que o descobrimos e o amamos, seja como um alienígena no seu mundo ficcional.
Billy Pilgrim, pelo contrário, parece que nunca será lembrado por ninguém e em nenhum momento do tempo.
A literatura de Vonnegut me pareceu certa para um filme: um filme em que tempo espaço se misturam como se misturam na cabeça de Billy, algo que poderia ser feito por Michael Gondry ou algum outro cineasta mais engenhoso e menos conservador, que goste de abusar do conflito que irá passar para seu público, que o público sai do cinema e ainda pense: "mas...e... se... Billy...".
Fiquei imaginando como seriam as cenas nesse vai e vem de vários momentos no tempo: 1945, 1958, 1968... algo como entrar e sair do tabuleiro de Jumanji... é, fiquei piradinha rs
A verdade é que li muito rápido Matadouro número 5, li rápido e não via a hora de saber sobre o bombardeio em Dresden, saber se os alienígenas o devolveriam, se ele deixaria de ser aquele cara apático que nunca chorava. E chegando ao final vi que nada disso importava, o que importava era o que tinham feito com a cabeça de Billy, o que a guerra fez com as pessoas, o que uma vida ordinária faz com as pessoas e que a vida precisa de mais que isso para ser plena.
Acredito que Bowie descobriu o que era esse mais na vida e teve uma vida plena. Bowie não foi mais um experiência alienígena para Ziggy Stardust (ou o contrário).
Espero que Kurt Vonnegut também, apesar de ter vivido o bombardeio de Dresden e tantos momentos tristes em sua vida.