quarta-feira, 20 de novembro de 2019

O corpo

Este texto eu escrevi no Twitter, resolvi colocá-lo aqui por ser longo e merece ser compartilhado por mais pessoas.

dia 18 de novembro de 2019.

GENTE!!! TEM UM CORPO CARBONIZADO NA MINHA ESCOLA!!!
Hoje de manhã recebi uma mensagem num grupo de professores escolhidos a dedo (rs) e uma 
professora que trabalha de manhã na escola mandou a foto que está circulando por findomundópolis 
inteiro: o corpo carbonizado no terreno da escola, próximo à quadra.
O que soubemos é que assim que o secretário da educação soube, ligou para a dirigente da região e a mandou até a escola para acompanhar o caso, para ficar até o corpo ser retirado de lá e para reforçar que deveria ter aula normal na escola.

O professor de educação física da manhã estava fazendo um campeonato e perguntou se deveria continuar e o gestor mandou: "vida que segue!". Só que os alunos começaram a ir no banheiro, onde as janelas dão exatamente para o corpo e começaram as fotos. Os alunos não foram dispensados mesmo com tudo isso acontecendo. 
Contaram-me que a coordenadora da manhã foi até as salas dos 3o. anos e disse para os alunos cobrarem, naquele momento, conteúdo dos professores porque eles (alunos) farão Saresp (a prova do governo que mede o desempenho das escolas e calcula o famoso engodo chamado bônus). A
professora ficou sem saber o que dizer, a coordenadora entrou na aula dela e falou isso pros alunos! 

E a humanização e empatia que são pregados nos cursos do governo? É só pra termos com os alunos?

Os alunos não têm que ter nenhuma empatia por um ser vivo que foi morto daquela forma? 

À tarde, nosso coordenador pediu que conversássemos sobre tudo isso com os alunos, já que teria aula por conta de como o gestor no horário falou: "vamos, pessoal, pra sala! os alunos estão esperando e a dirigente está aí!". 

Fomos a contra gosto, discuti com os alunos tudo o que aconteceu e se acham tudo isso normal, afinal, eles estão sempre brigando uns com os outros e xingando com palavrões pesados, a maioria não queria falar do assunto, só de si mesmo (como é próprio dessa geração de egocêntricos de 11 anos). 
Quando perguntei "e se fosse alguém que você conhecesse?" ficaram com cara de paisagem, sem saber o que dizer, porque já vêm com a ideia formada de casa ou da mídia: devia ser um bandido!

Mas não importa! É uma vida! 

Mas eles ficaram me olhando com cara de "e daí?". 

É muito triste ver como as novas gerações estão se portando, sem nenhum pingo de compaixão pelo outro, numa redoma fechada que só o mundinho deles é que é bom e os outros que se danem...

Infelizmente os governos atuais ratificam isso a todo momento! E nós, educadores, não conseguimos "doutrinar" ninguém a ser mais humano, mais amigo, menos egoísta. 

As professoras que trabalham manhã e tarde eram as mais indignadas porque pegaram o descaso nos dois períodos e nem uma fala da gestão. Só um "vai pra sala!" falado pelas inspetoras de alunos que também mandam na gente porque o professor é sempre a ponta mais fraca da corda e a cada dia mais professores adoecem e dizem que é frescura!!! 

É duro ser professor num país que não se valoriza a educação, mas pior que isso, não se valoriza a vida! A vida custa muito pouco a nossos governantes e, infelizmente, pra uma boa parte da sociedade que não se curará.

(ainda teve o cheiro que disseram que era forte de carniça e queimado...)

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Tudo que aconteceu ontem na escola me fez lembrar do filme Conta Comigo, em que amigos vão atrás de um corpo de um garoto e fazem uma jornada que mudaria suas vidas. Preciso rever, tenho em blu-ray. É inspirado num conto do Stephen King (O Corpo ou Outono da Inocência).

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Hoje, dia 20 de novembro de 2019, compartilharam um vídeo do YouTube em que um programa sensacionalista de TV mostrou o caso no dia de ontem.
Segundo a reportagem, um professor que fumava na hora do intervalo era um aluno fumando "algo com cheiro estranho" e que os policiais disseram que o corpo era de um viciado em crack.
Então, tudo bem! Era um viciado!
Que mídia imunda!

Continuo indignada... perplexa...