segunda-feira, 28 de maio de 2012

Contra ignorância, parece que realmente não há remédio...

Ontem era para ser um dia muito legal para todo mundo que gosta de boa música, principalmente quando ela é de graça.
Fato raro no Brasil, que adora cobrar preços exorbitantes para todos os shows e ainda fazer um apartheid chamado "pista vip".

Todo mundo sabia que por ser de graça e brasileiro sustentar a máxima "até injeção na testa!" o local ficaria intransitável em pouco tempo, que se fechassem mesmo as portas do parque muita gente ia ficar de fora, mas por uma vontade de acreditar e sonhar que o Brasil ainda poderia ter jeito, dei minha cara à tapa e fui com minha prima.

Há coisa de uns 3 anos participei de um show gratuito no mesmo Parque da Independência, era um show do tenor italiano Andrea Bocelli, que foi acompanhado por Toquinho e, o que eu não sabia, teria a participação de Ivete Sangalo - o que só aumentou o número de pessoas que foram à apresentação por conta da cantora que tem uma popularidade incrivelmente grande. Claro, isso só tornou maior a confusão, mais pessoas indo por conta da cantora.
O engraçado é que apesar disso e de toda a falta de ordem, o show foi assistível pela grande massa que estava lá: pessoas vendiam bebidas, comida, capas de chuva; o povo se amontoava por todos os cantos do parque, mas não houve confusão de grande porte.

Pensando exatamente nesse show, fui porque pensei: chego mais cedo, fico longe, mas vejo do "morrinho" o show. Minha prima também pensou o mesmo e fomos.
Chegamos às 14 porque imaginamos que muita gente querendo ver o We Have a Band faria com que não tivéssemos onde estacionar o carro da minha prima. Ainda assim achamos uma boa vaga, cobrada, adiantadamente pelo flanelinha, por 10 reais... e a gente sabe que não adianta se indignar com flanelinha, a rua é deles e somos todos reféns de tudo: ou 10 reais ou um pneu furado, um vidro quebrado, um risco enorme na lataria etc.

Chegamos e fomos pra fila, estávamos na parte de cima do parque, deixamos o carro numa rua perto do Sesi e fomos descendo... acompanhando a fila que nunca terminava...
Descemos até chegarmos ao famoso riozinho do Ipiranga, aquele...
E quase um vivemos "Ignorância ou morte" por tudo que passamos.

Fomos descendo e não havia uma fila preestabelecida logo de cara... só havia um entrada e todos os outros portões fechados, além de chapas de aço dando a volta no parque, por cima dos alambrados. Não víamos nada: se tinha gente lá dentro, se havia quem cuidasse de tudo aquilo, não havia informação nenhuma além de na rua do portão principal uma faixa falando do show que ocorreria ali.
No começo da descida da rua havia uns cavaletes, mas depois não havia mais nada: só gente... e fomos, demos a volta no parque  para pegar a fila e ficamos...
Ficamos até o final trágico tentando chegar ao fim daquilo (pelo menos "o fim" como  sendo "entrar no parque").
Pegamos a fila e fomos andando e passando por um sol danado em cima; muita gente querendo cortar a fila e muito estresse.
Ficávamos na fila e toda hora chegava mais e mais pessoas, mais pessoas passávamos por nós e mais pessoas tentavam passar por nós, dessa vez, na fila.

Com certeza, sem uma organização, muita gente deve ter entrado fácil, na ponta do alambrado perto do rio, havia uma brecha e teve gente entrando por aí... se alguém pôs o povo pra fora, não sei, só sei que entraram. Assim como caras que vendiam cerveja pularam o muro com suas mochilas ou vendiam a cerveja pelo vãozinho por baixo da grade, só se via a pessoa colocar a mão pra fora com o dinheiro e o cara passar a cerveja e ele ainda gritava ali pra que mais pessoas fossem dele comprar.

Vimos quase uma briga na nossa frente por ter gente querendo cortar a fila: como não havia faixa, cavalete e nem guardas para organizar, a coisa ia ficando confusa a ponto de ter um bolo no meio da rua, pronto pra ser atropelado, mas não arredaram o pé dali: era cortar a fila ou brigar por seu lugar ali.
Uma mulher que estava com a filha na nossa frente, chegou a falar com uns poucos policiais militares que estavam ali, estavam apenas olhando tudo na entrada vip (único lugar que tinha uns 3 policiais e umas 3 ou 4 meninas que seriam da organização do evento, de resto, mais ninguém em canto algum - eu dei a volta no parque durante 4 horas na fila, eu sei onde tinha gente ou não).
A mãe foi falar com o policial que nem olhou para a cara da mulher e esboçou um sorriso do tipo: fodam-se! 
E não saiu do lugar dele, só quando encontrou outros de farda e ficaram batendo papo e rindo da cara de quem estava ali, mesmo vendo que brigas estavam pra acontecer e gente por pouco não era atropelada.

ELES NÃO FIZERAM NADA, parecia que não tinha nada acontecendo ali.
Se o tal do "efetivo" da polícia era pouco pro que estava acontecendo era a hora de policiais e organização terem um plano b, ou não?
Ou é melhor ver aquilo se tornar o caos? Porque eu que não sou organizadora de eventos e graças a Deus, muito menos da polícia, estava vendo onde tudo aquilo iria dar e comentava com a minha prima, olhávamos com certo medo o que estava se formando...

O que se formava: gente que não entrava na fila e ficava fazendo um bolo no meio da rua, gente começou a pular o portão, nenhuma informação chegava até nós (chegava, mas do povo que estava ali, não da PM e muito menos da organização do evento) então fomos ficando na fila e escutando os shows acontecerem e isso, pelo que deu pra ver foi sim pontualidade britânica!
Foi a única coisa que vi de britânico acontecendo ali, de resto, era tudo a má vontade e desorganização bem brasileira que ajuda sempre para que falem: também, era de graça!

Não, não era de graça se você pensar que você paga  (eu pago) impostos para manter o parque e PAGA O SALÁRIO DA PM! Eles não são voluntários ou foram sorteados para trabalho escravo no domingo na frente de um Parque, eles ESCOLHERAM essa profissão que nunca dignificam.

Ainda estou esperando encontrar um que dignifique como via em Londres.
Aí alguém vai me mandar lá pro Classe média sofre: ah, ela é esnobe! vai comparar com Londres!
É, eu vou, mas não por esnobismo, mas porque vi que policiais realmente fazem seu papel: organizar a multidão para que não ocorra o caos, proteger a vida das pessoas que estão ali e pagam o salário deles e acima de tudo: têm respeito à vida, seja ela de quem for, sem preconceitos do tipo: ah, um bando de maconheiro que veio ver umas bichas da Inglaterra...

Vai dizer que nenhum deles pensou isso? Já ouvi frases desse tipo em outros shows que fui e daí eles ACHAM que porque eles têm esse preconceito contra tudo e todos não se deve fazer o TRABALHO DELES e sim deixar que se matem, como deixam acontecer em jogos de Corinthians e Palmeiras, por exemplo.

Mesmo que seja mãe com filha adolescente - como a mulher na minha frente que foi totalmente ignorada.

Ah, os policiais em Londres são respeitados, as pessoas confiam neles e eles não têm nenhum tipo de  apelido pra denegrí-los. Pelo menos, não entre quem não é do submundo...
Se um policial te para na rua, você o ouve. Se você precisa de alguma informação ou socorro, ele está a postos.

Ficamos estressadas vendo tudo isso acontecer. Muito nervosismo...
Quando chegamos, rolava o show da banda que faria covers dos Stones... e foi We Have a Band e foi The Horrors e realmente, a gente ali fora viveu O HORROR! O HORROR!

As pessoas vendo que ia ser difícil ver o show foram pro outro lado da rua, mesmo com o problema de serem atropeladas, e ficaram assistido o pouco que se via do telão. Gente subiu nos muros das casas, ficaram sentados pelas calçadas porque parecia o único jeito mesmo de tentar curtir o show.

A fila subia sentido museu e não nos conformávamos de estarmos ali há tanto tempo e sem uma notícia, apenas carros da polícia passando e rindo da gente. Nenhuma informação, só depois das 6 o povo começou a descer falando que o portão estava fechado e ninguém mais entrava. Daí que a multidão começou mesmo a pular, porque pelos vãos da chapa de aço se via espaço dentro do parque.

NADA.
NADA justifica o que as pessoas fizeram, mas organização e controle total desde o começo da situação seria primordial para que nada disso acontecesse, porque seja em Londres, seja em São Paulo, pessoas nem sempre são civilizadas. E por saber disso, mesmo sendo um lugar organizado, Londres mantém rédea curta em seus eventos o que deveria ser muito bem feito em Sampa.
Rédea curta eu digo de modo que tudo fique extremamente organizado e não traga riscos a ninguém.

Se um daqueles que pulavam a grade do portão se espetassem e estribuchasse, morreria ali. Porque a polícia sabia que eles estavam tirando caveletes de algum lugar para pular muros, ou não? Eles não viram? Eles não viram que o caos estava rolando e não sabem o que é um megafone (nem o povo da DESorganização do evento) para, quando via que tinha gente demais começarem a tentar disperçar e falar pra não ficar ali porque não tinha mais jeito? Não tinha como avisarem que tinham fechado os portões?

Claro, quem ia ficar gritando no meio daquela multidão cansada?
Mas tudo isso só se formou porque em MOMENTO NENHUM não houve informação.
A partir do momento que a polícia viu que era gente demais, deveria haver avisos: parque interditado e fechado. Seria o mínimo a ser feito, pelo menos, nas estações de trem e metrô da região e espalhar a informação para as demais. Isso dispersaria as pessoas que nem ali chegariam... pois, perto das 7 da noite, ainda havia fila dando volta no parque.

Quando chegamos mais perto da entrada e era certo que o portão estava fechado, minha prima foi até lá ver e saímos da fila...
Ficamos ali esperando para pelo menos ouvir o show.
Estávamos na rua entre o Parque e o Museu e não havia PM nem povo do evento ali para falar qualquer coisa que fosse. Apenas nós: olhando para aquilo...

A multidão que estava ali começou a pular a grade, aos montes, a polícia viu e não fazia nada, só esperava o caos final (vão entender). Até que ouvimos o estrondo de balaçarem as grades e tentarem arrombar o portão - que não vimos se conseguiram ou não.
Ficamos apavoradas.
E ficamos mais ainda, porque pareceu cena de cinema: na outra ponta da rua estava toda a tropa de choque e vinha pra cima da gente.
Pareceu cena de filme porque estavam todos ali, ESCONDIDOS, esperando para atacar, estava tudo na penumbra e ao barulho do ataque ao portão as luzes dos carros dos PMs se acenderam e vinham pra cima da gente.

FOI A CENA MAIS COVARDE QUE VI NA VIDA!

Vinham batendo o cacetete no escudo, e outro na frente jogava bomba de gás lacrimogênio ou sei lá do que... vi duas bombas estourarem perto de mim da minha prima e de outras pessoas que estavam todos ali apenas paradas e apavoradas.
Comecei a me sentir como os estudantes na ditadura militar que apanhavam da polícia, não conseguia sair do lugar.... meu coração disparou e quase chorei... não chorei porque não tinha tempo... precisávamos lutar pela nossa vida.
Nos grudamos na grade do portão do Museu, achando que deixariam-nos passar e não ficar no meio daquilo, mas o policial fazia sinal para que fôssemos encurraladas na multidão e saíssemos ali da grade.
Minha prima só me dizia: não larga minha mão, Rê!
E um casal ainda tentou passar por eles, dizendo que moravam pra aquele lado e os policiais não deixavam, só sinalizavam para irmos pro furação. Tivemos que largar a grade, agarrar muito forte a mão uma da outra e correr de pavor.
A multidão parecia ainda não entender o que acontecia e alguns não sei se chapados ou débeis mentais mesmo falavam: da hora! nunca fui preso!
E nós corremos como loucas no sentido contrário enquanto escutamos bombas e outras pessoas corriam. Nosso medo éramos ser acertadas ali por uma daquelas bombas, apanhar, sermos pisoteadas... tudo de ruim passou pelas nossas cabeças.

O mais triste é que só queríamos ver um show num domingo a tarde, aproveitar o dia no sol.
Mais triste ainda foi ouvir pessoas exclamando essas insanidades, afinal ninguém ali era um monstro pra ser tratado daquela forma. Ninguém tem que ser preso porque quer ir a um show no domingo.
Ninguém ali merecia aquilo, merecíamos ter sido avisados, tratados com respeito e nada daquilo teria acontecido.

Demos a volta inteira no parque para pegar o carro, ainda achamos um lado aberto do Museu, fomos até lá e vimos, ao longe, o telão, mas depois de tudo que aconteceu não tínhamos a menor vontade de estar ali, fomos embora.
Totalmente perplexas, amedrontadas, exaustas e tristes... desconcertadas... ainda não me recuperei de ontem...



PARABÉNS CULTURA INGLESA QUE DE INGLESA SÓ TEM O NOME!
A DESorganização fez jus em ser brasileira. Infelizmente, pensei que finalmente começaríamos a sermos profissionais, éticos e cuidadosos com o público.

Ah, mais uma coisa: estudei por 2 anos e meio na Cultura, de alguma forma, também paguei o show que não vi.