sexta-feira, 29 de maio de 2009

Cair na real

Há coisa de mais ou menos um mês (no máximo dois), estava eu explicando a uma turma do primeiro ano do Ensino Médio este poema:

X. Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena?
Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas foi nele que espelhou o céu.

(Fernando Pessoa)

Eu teria que explicar com outro poema - depois - Alphonsus de Guimaraens (o famosíssimo poema da Ismália) sobre a diferença do mar visto nos dois poemas, além de falar da expansão marítima portuguesa (o que isso tem com aula de português? tudo a ver! como a língua portuguesa chegou aqui? hein?) no poema do Pessoa.
Bem, claro que eu continuo com a minha ironia e sarcasmo sempre muito presentes... acho que vocês teriam curiosidade de ver uma aula minha... rss

Em dado momento, comento que muitos não voltaram (deixaram mães, filhos e noivas esperando) ou porque morreram ou porque se interessaram em viver em outro canto da terra, quem sabe se encantaram por uma hindu ou uma africana?
E disse que eu não confiaria em homem nenhum, nem no meu pai - o que é verdade - e claro, poderiam ter deixado a noiva esperando pro resto da vida e arrumado outra na África, Ásia ou Ámerica... e eu que não coloco minha mão no fogo por nenhum!
Uma aluna se indignou comigo (dou aula pra ela desde a quinta série) e disse: "todo homem, não, professora!".

A menina em questão estava toda feliz com o primeiro namorado, entendi o lado dela, o da ingenuidade da vida que agora desabrocha, todo mundo é bom, tudo é lindo, romântico, a vida é feita de sonho...
Cheia de fotos no caderno do namorado, não se cansava em dizer o quanto ele era maravilhoso e ficava feliz de fazer 3 meses de namoro, contava os dias, relembrava o comecinho do se gostar pras amigas e tudo isso eu entendo como é, a euforia, a alegria de estar com alguém. Estar apaixonada.
Bem, só pensei que ela era muito nova pra entender o que eu queria dizer e esperava do fundo do coração que ela não viesse a sofrer nenhuma decepção.

Hoje, chego na sala, primeira aula. Ela, toda vermelha com os olhos inchados de tanto chorar com as amigas do lado. E elas viram pra mim e dizem:
"Adivinha, professora" e eu: "terminou?"
Ela só acena que sim com a cabeça, chorando com as amigas. Fiz uma cara de estar chateada por ela.
Mesmo com todos os meus afazeres em sala de aula, fiquei prestando a atenção nela, na tristeza, no rasgar as fotografias, no não parar de olhar o celular esperando uma mensagem...
E a amiga do lado dela falando do quanto o namorado dela é maravilhoso, contando historinhas... e perguntando pra ela: "por que será que ele não responde suas mensagens?" e a menina só deu um movimento de ombros querendo dizer "sei lá".
A amiga tinha um sorriso escandaloso nos lábios... fiquei pensando "isso que é amiga..."
Queria ter falado com ela no final da aula, mas a cada momento ela estava com uma outra amiga que a abraçava ou falava alguma coisa sobre o que fazer...

Só pensava em dizer a ela: espero que vocês voltem, se não voltarem, um dia perceberá que foi melhor assim, na hora, a gente nunca se liga disso... ou não quer aceitar... o importante e o difícil é que a inocência se foi...

Não que todos os homens são canalhas, mas que as pessoas são falíveis, somos humanos, né? Cheios de erros e defeitos... e que a gente aprende muito com a dor, aprende a perder a ingenuidade, a cair na real e perceber melhor o mundo que vivemos, que ele não é como a novelinha de aborrescente da tarde ou como os filminhos felizes para sempre.
É muito mais complicado que isso uma relação amorosa...
E que não é fácil, mas não impossível.
O importante é não sonhar demais e se frustrar depois... e guardar a experiência...
Como diria Pessoa: tudo vale a pena se a alma não é pequena!

É quase como um rito de passagem, não?

Preferiria que ninguém passasse por essas coisas, por mais que reclame da escola eu me apego pra caramba a essas "crianças", são quase como minhas, me preocupo mesmo...
E torço pela felicidade deles... acabei de me lembrar, de novo, daquela cena do Kevin Arnold e o pai dele...